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A Influência do Pátrio Poder sobre o Indivíduo


 

RESUMO

 

O presente trabalho analisa a influência que a autoridade familiar exerce sobre o indivíduo e que repercute na sociedade, buscando compreender o que há de mais eficaz para orientar as ações de uma pessoa do que a própria sanção legal. Ao educar um filho e fornecer bons referenciais, são notórios os bons resultados obtidos em termos de adesão aos objetivos sociais, contribuindo para a inclusão e consequente interação social, bem como prevenindo desajustes do indivíduo ao ordenamento jurídico e religioso.
 

 

INTRODUÇÃO

 

O pátrio poder, ou, o contemporâneo poder familiar, é o cerne no molde do caráter do indivíduo, sendo decisivo para orientar as escolhas pessoais de acordo com a legalidade, moraidade e bons costumes, ou de acordo com os impulsos instintivos que tanto tendem a prejudicar o ordenamento jurídico e seu objetivo de promover um convívio harmônico entre seus concidadãos.  

A sociedade contemporânea é reflexo das relações jurídicas do passado; conhecer suas origens e constante evolução permite compreender seu estado atual e projetar o futuro. A família como primeira e mais importante organização social na vida, tem responsabilidade primordial de nortear o desenvolvimento intelectual de seus membros, oferecendo base educacional que permitirá seu constante progresso, delimitando ações no meio social e contribuindo para a conquista da cidadania e seu contínuo exercício.

 

 

1              A INSTITUIÇÃO FAMILIAR


 

 

O historiador francês Fustel de Coulanges em sua obra La Cité Antique (A cidade Antiga) investiga as origens mais remotas das instituições nas sociedades grega e romana. Ao analisar as radições religiosas, torna-se evidente que, embora duas famílias vivessem lado a lado, cada qual possuía lei, crenças, deuses familiares e culto próprios. Dessa forma as regras de propriedade, sucessão etc., eram reguladas por esse culto com a finalidade de perpetuar a manutenção do fogo sagrado dentre as gerações vindouras. Com o tempo, a necessidade levou o homem a ampliar transações, fazendo com que se relacionasse com mais frequência.
 
 

Para que leis internas não entrassem em conflito com as regras do núcleo familiar, foram transferidas a unidades cada vez maiores até chegar às polis ou cidades, que tiveram origem quando os cidadãos se reuniam para cerimônia religiosa periódica de purificação, assim como para os banquetes públicos em homenagem aos deuses municipais. Em breve, as leis passaram a ser elaboradas por grupos dominantes, grandes famílias proprietárias de vastas terras (aristocratas); essa situação logo gerou desconforto à plebe, ocasionando as primeiras revoluções que alteraram o fundamento da sociedade para o bem comum.

Embora a história cultural da humanidade seja marcada por divergências, lacunas e alterações de registros, os princípios que regeram as relações humanas estiveram baseados nos valores religiosos que limitavam e orientavam a ação do indivíduo, seja por medo da punição ou promessa de recompensa, independentemente da força estatal.

            Na dramaturgia mitológica de Sófocles, a personagem Antígona, representante da religião familiar estritamente privada, muito limitada ao círculo dos parentes próximos, mostra-se insubmissa às leis positivadas que contrariavam as leis divinas que foram encravadas em seu âmago ao serem ensinadas e praticadas no ambiente familiar.
 

 Ao analisar a peça em questão, encontramos Creonte que em seu primeiro édito, movido por ressentimentos políticos, impediu os serviços fúnebres de seu opositor, irmão da personagem insubmissa, sob pena de morte a quem desobedecesse. Aquele que morresse sem os rituais religiosos fúnebres seria, segundo crença, condenado a vagar cem anos nas margens do rio que levava ao mundo dos mortos, sem poder ir para o outro lado, porém a ideia de tamanho sofrimento a que passaria seu familiar, fez com que Antígona, sem exitar, jogasse uma fina camada de terra sob seu corpo, desrespeitando o édito e desafiando a autoridade estatal, forçando Creonte a executá-la. Trava-se então um duelo ideológico, de um lado a ré, tendo como sua defesa o cumprimento às leis dos deuses, as quais são mais antigas e, segundo ela, superiores às terrenas. Ao ser questionada pelo delito registra-se a clássica resposta jusnaturalista:

“Sim, porque não foi Júpiter que a promulgou; e a justiça, a deusa que habita com as divindades subterrâneas jamais estabeleceu tal decreto entre os humanos; nem creio que teu édito tenha força bastante para conferir a um mortal o poder de infringir as leis divinas, que nunca foram escritas, mas são irrevogáveis; não existem a partir de ontem, ou de hoje; são eternas, sim! E ninguém sabe desde quando vigoram! Tais decretos, eu, que não temo o poder de homem algum, posso violar sem que por isso me venha a punir os deuses! Que vou morrer, eu bem sei; é inevitável; e morreria mesmo sem, a tua proclamação. E, se morrer antes do meu tempo, isso será, para mim, uma vantagem, devo dizê-lo! Quem vive, como eu, no meio de tão lutosas desgraças, que perde com a morte? Assim, a sorte que me reservas é um mal que não se deve levar em conta; muito mais grave teria sido admitir que o filho de minha mãe jazesse sem sepultura; tudo o mais me é indiferente! Se te parece que cometi um ato de demência, talvez mais louco seja quem me acusa de loucura!” (SÓFOCLES, 2007, p.96)

            Do outro lado, o inquisidor se esforça por mostrar que ela agira errado, explicando motivos e razões, mas cada um continua impávido em suas crenças, resultando no trágico desfecho sofocliano com diversas mortes.

            É comum negar autoria perante as autoridades, haja vista que essa atitude abre a possibilidade de absolvição, enquanto a confissão implica punição certa. No caso de Antígone, porém, a convicção sobre os valores era mais forte e determinante do que o receio da sanção.

A convicção íntima sobre valores positivos é capaz de determinar condutas e pensamentos humanos, podendo contribuir para o bem comum ao aproximar a moral do cidadão às regras de convívio social; porém, a negligência familiar em incutir o mesmo conjunto de faculdades de espírito em cada membro, desde a tenra infância, torna-se mal social quase irreparável. Rousseau, em O Contrato Social, discorre sobre a importância da relação familiar:

“A mais antiga de todas as sociedades e a única natural, é a da família. Os filhos, entretanto, não estão ligados ao pai senão o tempo que necessitam dele para a sua conservação. Assim que cessa esta necessidade, o liame natural desata-se. Os filhos, isentos da obediência que devem ao pai, isento este dos cuidados que deve aos filhos, entram todos igualmente em independência. Se continuam unidos, não é natural, senão voluntariamente, e a própria família não se sustém senão por convenção. Esta liberdade comum é uma conseqüência da natureza do homem. Sua primeira lei é a de velar pela sua própria conservação; seus primeiros cuidados são os que deve a si mesmo, e, uma vez na idade da razão, senão ele o juiz dos meios adstritos à sua conservação, fica, por isso, senhor de si mesmo. A família é, pois, se se quiser, o primeiro modelo das sociedades políticas; o chefe é a imagem do pai, o povo é a imagem dos filhos, e, tendo nascido todos igualmente livres, não alienam a sua liberdade senão em proveito da própria utilidade. Esta diferença consiste em que na família, o amor do pai pelos filhos é recompensado com o cuidado que este lhes dedica, enquanto no Estado, o prazer de mandar substitui este amor que o chefe não sente para os seus súditos.” (ROUSSEAU, 2006, P.22)

Ao almejar uma sociedade cumpridora das leis, deve-se alterar costumes do grupo familiar, pois é este que prepara o sujeito para a vida; se a família não o fizer da forma correta, concedendo referenciais de cidadãos honrosos, outros grupos ocuparão espaços, oferecendo referenciais de violência, modismos busca por fama e poder a qualquer preço, isto é, satisfação desenfreada de apetites físicos. O povoamento diário da mente por filmes, notícias e novelas mostrando pessoas desonestas que obtém sucesso e vantagens, induz o homem a orientar-se por emoções primitivas, instintos que trazem sentimentos negativos e propícios para o caos social. Nessas circunstâncias, o ordenamento jurídico acaba sendo visto simplesmente como possibilidade de sanção, nunca como construção democrática voltada para prevenção de conflitos e coexistência harmônica.
Joseph Fielding Smith disse: “O cinema falado seria de imenso valor para a educação e instrução do povo, ensinando-nos, com grande proveito, história geografia e ciência, se devidamente apresentado; mas, pelo contrário, é controlado em larga escala, por homens inescrupulosos que inundam o público com uma torrente de produções desprezíveis que excitam as paixões e apelam ao lado mais baixo do homem.” (Doutrinas de Salvação, Vol. III, Pág. 306)
 
 

            Não raramente, encontra-se nos textos legais referência à importância da boa-fé, probidade e diversos outros princípios éticos que parecem socialmente desprestigiados; tal sentimento resulta da falta de solidariedade, conhecimento e interesse das famílias na educação dos filhos. O núcleo familiar é marcado pelo enfraquecimento da autoridade parental e filhos cada vez mais indômitos, apesar da dependência afetiva e financeira do lar; algumas vezes, os pais são negligentes e outras dispensam todo o tempo para trabalho e custeio de despesas familiares. Assim, permite-se que cresça o número de cidadãos que refletem a falta de limites no lar, revelando-se insubordinados às leis estatais e baderneiros em busca da autoafirmação viril.
 

            Além dos problemas resultantes da criação de programas e leis que atendem interesses de grupos detentores do poder econômicos, em detrimento dos objetivos comuns, a sociedade civil precisa combater a inércia e o comodismo familiar, impelindo os integrantes do grupo familiar a alterar os referenciais do ensino no lar. Luís Olímpio Ferraz Melo (2010, p. 72), em sua obra “Psicanálise para todos”, adverte: “É preciso apitar e colocar ordem na família, sob pena da extinção da espécie humana. Horácio dizia: se a casa do vizinho está pegando fogo, a minha está em perigo.”

            Há algo de nobre e sublime no conceito e na educação familiar que apenas é percebido através das conseqüências de sua ausência, isto é, quando são refletidos na desordem social. O Artigo 1.630 do Código Civil norteia o pátrio poder buscando evitar essas conseqüências: “Os filhos estão sujeitos ao poder familiar, enquanto menores”. Ao exercer o poder familiar o artigo 1.634 estabelece condutas básicas para uma educação eficaz: “Compete aos pais, quanto à pessoa dos filhos menores: I - dirigir-lhes a criação e educação; II - tê-los em sua companhia e guarda; VII - exigir que lhes prestem obediência, respeito e os serviços próprios de sua idade e condição;”

            O ilustre penalista Cesare Beccaria, em sua obra Dos Delitos e Das Penas, buscando equilíbrio entre elas, enfatiza a necessidade das virtudes familiares com suas leis, comparando-as com as estatais:  

“Quando a república é de homens, a família não é subordinação de comando, mas de contrato, e os filhos, quando a idade os liberta da dependência natural, que é a da fraqueza e da necessidade de educação e de proteção, se tornam livres membros da cidade, sujeitando-se ao chefe da família, na medida em que participam das mesmas vantagens, como os homens livres na grande sociedade. No primeiro caso, os filhos, ou seja, a parte maior e mais útil da nação, são entregues à discrição dos pais. No segundo caso, não subsiste nenhum outro laço obrigatório, a não ser o sagrado e inviolável dever de prestar, reciprocamente, a assistência recíproca, e da gratidão pelos benefícios recebidos, o que não é tão destruído pela malícia do coração quando pela mal compreendida sujeição imposta pelas leis. Essas contradições entre as leis de família e as leis fundamentais da república são facunda fonte de outras contradições entre a moral privada e a moral pública e, por isso, geram perpétuo conflito no coração dos homens. A primeira inspira sujeição e temor; a segunda, coragem e liberdade. A primeira ensina a limitar a benevolência a pequeno número de pessoas que não foram escolhidas; a segunda, a estendê-la a toda classe de homens, mas esta ordena o contínuo sacrifício de si a um ídolo vão, chamado bem de família que, muitas vezes, não é bem de nenhum que as compõem. Esta ensina a servir o próprio interesse sem lesar as leis, ou estimula a imolar-se pela pátria com o prêmio do fanatismo que precede a ação. Tais contrastes levam os homens a desdenhar o caminho da virtude, considerado-o emaranhado e confuso, porque nasce da obscuridade dos objetos tanto físicos quanto morais. Quantas vezes o homem voltando-se para ações passadas, não se terá surpreendido com a própria desonestidade? À medida que a sociedade cresce, cada um de seus membros se torna parte menor do todo e o sentimento republicano diminui na mesma proporção, se as leis não tratarem de reforça-lo. (...) Por isso, que é sob o despotismo mais forte que as amizades são mais duráveis, e as virtudes de famílias, sempre medíocres, se tornam mais comuns, senão as únicas”.

            O ordenamento jurídico tem a função de proteger a sociedade da desordem, acompanhando as evoluções da sociedade e reprimindo com rigor sempre crescente. O Código Penal pune, com detenção de quinze dias a um mês ou multa, a prática do crime de abandono intelectual: “deixar sem justa causa, de prover à instrução primária de filho em idade escolar” (Artigo 246 Código Penal).  Nos crimes contra a família amparam-se os direitos dos genitores, dos tutores e curadores, visando a educação e a formação dos filhos, tutelados e curatelados.

            Joseph Fielding Smith enfatizando a necessidade de submissão aos poderes constituídos ensinou: “Qualquer membro desta igreja que não apoia as leis constituídas do país é desleal não só como cidadão do governo mas também à igreja e a Deus. Devemos entender isso e sobretudo devemos ser cumpridores da lei e viver em retidão um com o outro, com nossos vizinhos, e adorar o Deus vivo em espírito de verdade e justiça, tendo ao mesmo tempo um coração leal para com as nações que governam e governarão, até que venha aquele cujo direito é reinar”. (Doutrinas de Salvação, Vol. III, Pág. 364)

Não faltam incentivos do governo para estimular a família a enviar filhos à escola, para  educação formal, cumprindo o que diz na Carta Magna em seu artigo 208 I, mas além do Estado e da família, essa responsabilidade é de todos: Artigo. 205, CF: “A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”. Artigo: 227. “É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”.     Porém só o fato de se coagir alguém a realizar algo por medo de punição desnatura a verdadeira essência do Estado Democrático de Direito, como completa Jean Jacques Rousseau (1974, p. 14-15): “Se é preciso obedecer pela força, não é necessário obedecer por dever, e se não mais se é forçado a obedecer, não se é a isso mais obrigado. Vê-se, pois, que a palavra direito nada acrescenta à força; não significa aqui coisa nenhuma.”
 Joseph F. Smith afirmou ser tão bom quanto escritua as palavras do ex-presidente dos EUA, Calvin Coolidge (Doutrinas de Salvação, Vol III, Pág. 320) - Governo Baseado na Religião:
 
 
 “Nosso governo fundamenta-se na religião. É dela que haurimos a reverência pela verdade e justiça, pela igualdade e liberalidade e pelos direitos humanos. A menos que o povo creia nesses princípios, ele não poderá crer em nosso governo. Há apenas duas teorias de governo no mundo. Uma apoia-se na justiça, e a outra, na força. Uma recorre à razão, a outra recorre à espada. Uma é exemplificada pela democracia, a outra, pelo despotismo.
 “O governo de um país nunca é melhor que a religião desse país. Não há como substituir a virtude do homem pela autoridade da lei. Claro que procuramos reprimir os malfeitores e fornecer um razoável grau de segurança e proteção por meio de segurança e legislação e controle policial, mas a verdadeira reforma que a sociedade busca hoje, virá como decorrência de nossas convicções religiosas, ou simplesmente, não virá. Paz, justiça, humanidade, caridade –não podem ser geradas por lei. São resultado da graça divina.”
           Joseph Fielding Smith ressaltou a submissão aos poderes constituídos: “Qualquer (...) que não apóia as leis constituídas do país é desleal não só como cidadão do governo mas também à igreja e a Deus. Devemos entender isso e , sobretudo, devemos ser cumpridores da lei e viver em retidão um com o outro, com nossos vizinhos, e adorar o Deus vivo em espírito de verdade e justiça, tendo ao mesmo tempo um coração leal para com as nações que governam e governarão, até que venha aquele cujo direito é reinar”. (Doutrinas de Salvação, Vol. III, Pág. 364)

Embora a sociedade, o Estado e a Igreja possam colaborar para a edificação do conteúdo secular o pátrio poder não deve negligenciar a formação humanística que mais refletirá no convívio social: a orientação e referenciais que se transmite no lar.

 

 

CONCLUSÃO

            A sociedade ideal de amanhã será o resultado da boa educação familiar de hoje, seja ela influenciada pela religião, ética, moral, bons costumes, desde que estejam em harmonia com os princípios jurídicos e sejam desenvolvidas cuidadosamente desde a tenra infância. Evitar repetição de erros do passado, impedindo reflexos nas gerações vindouras é sempre frutífero; reduz-se a preocupação com repressão criminal através do enaltecimento de valores cultivados na formação de cidadãos conscientes de seus deveres e cada vez mais comprometidos com o desenvolvimento social, cultural e familiar, promovendo assim o Estado ideal para conviver.

 
 
REFERÊNCIAS

BECCARIA, Cesare. Dos Delitos e Das Penas. Revista dos Tribunais, SP. 3° ed. 2006.

COULANGES, Fustel de. A Cidade Antiga: estudos sobre o culto, o direito, as instituições da Grécia e de Roma. Título Original: La Cité Antique. Tradução de Jonas Camargo e Eduardo Fonseca. São Paulo: Hemus, 1975.

MELO, Luís Olímpio Ferraz. Psicanálise para todos: Premius, CE, 2010.
 
ROUSSEAU, Jean-Jacques. O contrato Social. Lisboa : Europa-América, 1974.

SÓFOCLES. Édipo Rei e Antígona. São Paulo: Martin Claret, 2007.
domingo, 20 de janeiro de 2013
Postado Por: Dan Jones

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